Total de visualizações de página

quarta-feira, 5 de maio de 2010

JONIUÓLKER E JÉQUIDÊNIEL

Hoje, um conto da nova safra.





JONIUÓLQUER E JÉQUIDÊNIEL




Sertão de Pernambuco, anos 80. Dona Lucimar acaba de parir gêmeos. Seu Josenildo fica feliz. Dois machos. Mais três viriam nos próximos anos e duas meninas completariam a prole mais tarde. Uma vez que Seu Josenildo era chegado num gole, ouvira alguns nomes de bebida cara e resolveu adotar: Joniuólquer Ribamar da Cruz nasceu primeiro. Em seguida a parteira tira Jéquidêniel Ribamar da Cruz, mais franzino.

Sobreviveram e cresceram, a despeito da miséria em que vivia a família, e ficaram conhecidos como Joni e Jequi. Logo demonstraram um talento incomum nas partidas de futebol no campinho da cidade, um pedaço baldio de terra cercado de mato por todos os lados. Nos escanteios não se via a bola de capotão. O mato chegava à cintura.

Na verdade o talentoso era Joni. Jequi enganava bem. Mas como eram idênticos a ponto de Dona Lucimar cortar o cabelo apenas de um para poder distinguí-los, geralmente Jequi levava o crédito pelas jogadas geniais de Joni. E Joni era um daqueles talentos que nascem a cada dez, ou vinte anos.


Sempre dividiram tudo. Dinheiro, comida, cuecas e até as namoradinhas adolescentes e suspirosas pelas jogadas geniais de Joni. Jequi amassou muita mocinha de família atrás da igreja por conta das maravilhas que Joni produzia no campinho. Eles já adoravam uma Maria-Chuteira.


A cidadezinha de Bezerros-PE, tão ínfima e pasmacenta, ficou pequena para o talento da dupla. Tanto que foram de mala e cuia, aos 16 anos de idade, para a vizinha e maior Vitória de Santo Antão, onde o glorioso Vera Cruz Futebol Clube já os aguardava ansiosamente. Chegaram e arrasaram na primeira divisão do Pernambucano daquele ano. Jequi como segundo volante. Joni como meia atacante. O Estádio Carneirão viu, embasbacado, o Vera Cruz sapecar 2 a 0 no Santa Cruz, rival de estirpe, e arrancar sofrido empate em 1 a 1 com o Sport de Recife. Era a glória! Dos times considerados grandes, só perderam de 1 a 0 para o Náutico e mesmo assim com gol impedido. Joni e Jequi, principalmente Joni, estavam se tornando legendários no agreste pernambucano. Mas Pernambuco também foi se apequenando. Jequi teve proposta do Guarani de Campinas e se saiu razoavelmente bem. Joni aportou diretamente no Clube de Regatas Flamengo. Ganhou o Carioca, a Copa do Brasil, foi craque do Brasileirão e o Brasilzinho ficou pequeno. Os olhos da Europa se abriram e, da noite para o dia, empresários sequiosos leiloaram o valioso passe do craque. Uma temporada rápida no Barcelona e, de repente a Internazionale de Milão. Os euros jorravam e a família de Joni mudou-se para a Itália para morar em mansão. Menos Jequi que continuava tentando melhorar a carreira em terras pátrias.

Joni acabou sendo convocado para o selecionado canarinho. Foi bem na Copa do Mundo, apesar do Brasil terminar em terceiro lugar. As críticas choveram. Joni ficou carimbado como craque de clube, que amarela com a amarelinha. Ainda assim, sua carreira prosseguiu com brilhantismo enquanto os cães tupiniquins ladravam. Ganhou dois escudetos na Itália, foi campeão europeu, campeão mundial interclubes, sempre arrasando e fazendo gols puramente mágicos.


Já Jequi amargava derrotas e anonimato no Brasil. Voltou a jogar em times pequenos, série B, série C, até que resolveu encerrar a carreira no glorioso Juventus da Moóca, que o contratara por um ano. Sim, aquele seria seu último ano como profissional do futebol. Depois de cumprido o contrato partiria para a Europa para morar com a família e, talvez, se tornar empresário de seu irmão gêmeo que a esta altura já estava sendo sondado pelo Chelsea da Inglaterra. Mas antes que isso acontecesse o Juventus iria disputar a final do torneio brasileiro da série C contra o Marília, em seu campo, na Rua Javari. Jequi teria seu grande e derradeiro momento de consagração. Jogaria a final, ganharia a taça e imediatamente comunicaria o encerramento da carreira.


Quis o destino que Joni, em férias na Europa, resolvesse visitar o irmão de surpresa e fosse encontrá-lo no vestiário, antes da final. Quis o destino que Jequi, ao ver o mano querido, levantasse de inopino e batesse o joelho na quina do armário, lesionando-o seriamente. Quis o amor fraterno que Joni se oferecesse para jogar em seu lugar sem que ninguém percebesse, já que, como se disse, eram idênticos.


Contra todos os prognósticos o Juventus, com um time teoricamente muito inferior, goleou o Marília por oito a zero e foi campeão. Sete gols de Joni, se passando por Jequi e um passe primoroso para o oitavo. Jequi via a sua consagração escondido no vestiário, por um buraco na parede, e terminaria a carreira brilhantemente.


Joni, de volta à Europa com o mano a tiracolo, teve uma estréia apagada no Chelsea. Na verdade foi muito mal. Perdeu um gol certo com a bola batendo na canela e saindo por cima, errou passes infantis, uma lástima. A imprensa inglesa, que não perdoa nem a Rainha, caiu matando e as poucas pessoas que souberam do acontecido na Moóca juram que Jequi quis devolver a gentileza.