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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

E os Colóquios Insensatos...

voltaram!



COLÓQUIOS INSENSATOS 10


- Seu nome qual é meu filho?
- É...João Ignácio de Oliveira.
- Sim....você está aqui na lista.
- Mas....estou achando estranho....o Sr. é quem eu estou pensando?
- Quem você acha que eu sou?
- Não sei....vestido assim, com essa barba....o Sr. parece Sss...são Pedro? O guardião dos portões do céu?
- Seu criado.
- Mas eu não estou entendendo, lá embaixo eu matei, roubei, estuprei, fiz o dia...desculpe, fiz muita coisa errada. Eu não deveria ir para outro lugar?
- Não sei meu filho, você está aqui na lista. A lista nunca falha, portanto, alguma coisa boa você deve ter feito. Não se lembra de nada?
- Assim...deixa eu ver....de bom, bom mesmo, não estou me lembrando no momento, mas eu sempre gostei de música boa sabe?! Sempre odiei a música comercial, essa gente que gosta de pegar a arte e banalizá-la para ganhar dinheiro, sabe?! Acho isso terrível.
- Então está explicado, pode entrar meu filho. E fique tranqüilo que essa gente vai toda para o outro lugar.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Escrever para crianças...

é um desafio imenso! Já tentei bastante e apenas alguns textos se salvaram. Dentre eles este:




BARATA, ESSA CRIATURA ADORÁVEL


A Barata não pica.
Ela não tem peçonha.
A Barata não arranha.
Ela não tem unha.
A Barata não morde.
Ele não tem dente.
A Barata não gruda.
Ela não tem cola.
A Barata.....ela tem é medo de sola.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Minha singela homenagem...

ao melhor dia da semana.




SEXTA-FEIRA A TARDE



As horas chegam inteiras.
A brisa barulhenta de um ventilador sopra incessante.
Sexta-feira a tarde, suplicada há uma semana.
O momento mais lúdico.
O piano mais afinado.
O céu mais azul.
O jantar mais saboroso.
O sono dos justos.

Olhar o teto.
Um estalo no pescoço
E a vida volta.

Retomar o olhar.
Antes contar as primeiras estrelas
A dívidas impagáveis.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Na época em que...

eu escrevia sonetos, um dia escapou este:




SOLIDÃO DEFINITIVA



A noite é longa e fria.
Não me é dado saber o porque,
Nem como, mas só penso no que
Tua ausência me causaria.
Penso em não estar contigo
Tanto quanto na solidão definitiva
Que improvável, todavia aflitiva,
Azeda a vida, destila o castigo.
Penso em você agora e talvez
Como se incerta a tua permanência,
Como se fosse a última vez.
Tento adequar meu paladar à ciência
De sorver a doçura que brota abundante
Do sorriso que traduz tua transparência.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

De volta à série....

dos colóquios insensatos!



COLÓQUIOS INSENSATOS 9



- Pois é Alípio.....a vida é assim.
- É Florípedes, é mesmo....
- Sua família esteve aqui no domingo não é?
- Só o meu mais velho Florípedes, já conversamos sobre isso, lembra?
- É mesmo Alípio, eu tinha me esquecido!
- E seus outros filhos, não vem nunca?
- Já falamos sobre isso também Florípedes, meus filhos são muito ocupados, cada um mora numa cidade, para eles é difícil... além disso tenho 23 netos e 12 bisnetos. Sei o nome de todos eles e eles também são muito ocupados. Mesmo o meu filho mais velho não vinha me ver há dois anos...é que mês passado foi meu aniversário, lembra?
- Verdade Alípio, já falamos sobre isso, desculpe, acho que estou ficando velho e esquecido.
- Imagine Florípedes, você ainda é novo, está com 86 né?!
- É Alípio, faço 87 em maio, ou será agosto?!!!
- Então, você vai ver....depois dos 100 o tempo passa voando...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Um pequeno poema.

HIATO


Na oportunidade em que a vida nega as oportunidades,
Na ocasião em que a vida não cobra preços de ocasião,
No tempo em que a vida só faz perder tempo,
No momento em que a vida se faz de poucos momentos
E os enigmas mais se embaralham,
Aí me encontro.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Escrever um conto novo....

é sempre um desasfio imenso. Este é da novíssima safra. Minha modesta versão, talvez, à clássica estória da galinha dos ovos de ouro!






AS ESTÓRIAS E DESESTÓRIAS DE UM CACÓFATO


Machadão acordou meio-dia. Espreguiçou, coçou o saco demoradamente e fez café de coador. Sentou no colchão que explodia espuma pelos buracos e pensou: “Pôrra, que noitada!” Na noite anterior fumou um beck, tomou muita cachaça no boteco do Miltão, jogou snúqui, bateu pandeiro e até brigou, mas não se lembrava com quem. Um estranho silêncio invadia o Morro do Piolho naquela ex-manhã. O sol de dezembro esquentava o barraco até transformá-lo num micro-ondas gigante. Passou água na cara e foi prá rua, de calção, havaianas e camiseta no ombro. Apesar de ser uma figura estranha, do alto de seus 1,86 o sarará calvo de 32 anos de idade impunha respeito no morro. Era amigo da malandragem, dos donos do pedaço. Foi descendo e acenando: “Fala cumpádi”.... “Diz aí maluco”...”Tudo na regularidade?”....o Capão Redondo inteiro era o seu território.

Com as sobras dos trocados da última venda de crack pegou um ônibus para a Zona Oeste. O objetivo era zanzar, circular até vislumbrar a oportunidade de fazer um troco.

Seu nome era um cacófato. Décio Machado. Quando pequeno os moleques do morro gritavam em coro quando ele passava: “E desce o machado”. Ele odiava isso. Reclamava com a mãe, quando ela estava sóbria. Quando não estava só tomava porrada. Perguntava porque não tinha o nome do pai e ela respondia: “eu nem sei quem é seu pai seu bostinha”. Começou com pequenos furtos e logo já estava com o seu primeiro trezoitão de número raspado nas mãos. Matou três até os 13 anos. Em alusão às piadas com seu nome carregava uma machadinha no calção e vez ou outra decepava algumas partes de suas vítimas. Descia o machado. Na Febem virou Machadinho. Quando cresceu virou Machadão.

Desceu do ônibus na Avenida Rebouças, três da tarde. O calor estava um inferno e o céu começava a escurecer, o que garantiria o ibope do Datena no fim da tarde. Desceu a avenida a pé, observando os carros. Pajero é fusca, pensou! Não se conformava com a quantidade de carros importados na zona rica da cidade. No farol com a Estados Unidos o carrão preto parou com o vidro aberto, numa distração imperdoável do motorista. Machadão bateu o olho e o rolex dourado tiniu, sorriu pra ele. Rápido encostou, mostrou a automática escondida no calção e já anunciou: “Perdeu tio! Passa o rolex”. Vazou rapidinho com o relógio no bolso e sumiu numa travessa.

Quando tinha 16 a mãe morreu assassinada por um namorado. Ele estava na febem e ficou sabendo dez meses depois. Sentiu alívio. Saiu e caiu na rua. Morou na Sé, na entrada do metrô e tomou muito banho no laguinho da praça, piscina particular dos garotos. Cheirou muita cola e roubou muito velhinho. Depois dos 18 caiu num assalto a uma farmácia. Puxou 4 anos de cana. Saiu, matou dois. Puxou mais 8 anos e saiu em condicional.

Na travessa tranqüila sentiu-se seguro para examinar o rolex com seus olhos bem treinados. “Essa merda é de verdade”, pensou. “Garanti o meu natal e o dos moleques”, foi seu pensamento imediatamente seguinte. Oferecido nos canais certos a máquina iria render 700, 800 paus. Quem sabe até milão.


Machadão tinha dois filhos. Um com 14 e outro com 12, ambos forjados em visitas íntimas e frutos de seu caso de quatro anos com Jéssicah, com agá no fim, como insistia em enfatizar. Era usuária de crack e vivia fora do ar. Os garotos foram criados pelo vento. O mais velho já morava na fundação casa, mesmo endereço onde o pai morou e que só mudou de nome. O caçula segurava a onda até onde podia, sabe-se lá como. Numa estranha compulsão em premiar a honestidade Machadão pensou que seria o único merecedor de um presente de natal. Talvez um PS3 de origem obscura.

A noite, de volta ao barraco, segurou o rolex com olhos de quem não quer largar. Fuçou, mexeu e resolveu que iria curtir o produto por uns dias. Apareceu no boteco do Miltão com ele no pulso. Sucesso. Catou umas mina do morro com ele. Mais sucesso. O barato era de ouro e ouro faz sucesso até com madame. Alguns dias depois, antes de dormir, começou a fuçar nos botões. Começou pelo mostrador de horas e minutos. Um relógio analógico de ouro não se vê toda hora. Puxou a tarraxa mais para cima e começou a brincar com o mostrador dos dias. Era 18 de dezembro e sem nenhum motivo ele voltou o mostrador para o dia 13, data em que roubou o relógio. Imediatamente sentiu uma tontura estranha, um barulho de vento nos ouvidos e uma luz branca muito forte o obrigou a cerrar os olhos com força. Quando os reabriu estava sentado no colchão de seu barraco e a luz do dia invadiu o seu olhar. De repente estava com o mesmo calção do dia do roubo e com o conhecido café nas mãos. O relógio havia desaparecido de suas mãos. “Puta que pariu”!!! gritou já pulando do colchão. “Que pôrra é essa”! Saiu de casa atordoado. Perguntou pro vizinho: “que dia é hoje seu Jaime?”. “13 de dezembro, natal tá chegando né?!” respondeu o velho. Voltou pra casa pensando “cacete, esse relógio é o que”?! Voou pra zona oeste. Avenida Rebouças. Fez uma horinha e de repente olha o carrão preto lá de novo. Olha o rolex no pulso do otário lá de novo. Repetiu a ação e levou o relógio outra vez.

Nos dias que se seguiram, deixou o relógio ali, sobre uma mesinha. De vez em quando olhava meio ressabiado para o objeto, pensando nas possibilidades que ele poderia proporcionar. Em algumas noites saiu com ele no pulso outra vez e comeu novamente todas as mocinhas que já tinha comido antes por causa dele. Isso ele não recusaria. Viveu mais ou menos tudo o que tinha vivido até o dia 18, com a vantagem que agora sabia tudo o que iria acontecer. Depois do dia 18 era tudo incógnita. Um avião poderia cair sobre o seu barraco, ele poderia ser atropelado, preso....sentiu medo, o que não era comum e não gostava de sentir. Na verdade, após o dia 18 ele correria todos os riscos que sempre correu na vida. Mas agora era diferente. Ele já tinha sentido o gosto confortável de saber antecipadamente tudo o que iria acontecer. Parecia que agora os riscos eram ainda mais arriscados. Ficou tentado a voltar o mostrador dos dias novamente, mas pensou que não poderia viver para sempre naquele intervalo entre os dias 13 e 18 de dezembro, talvez só mais algumas vezes. Lamentou que o relógio não tivesse mostrador dos meses e dos anos. Voltaria para a sua infância provavelmente. Faria tantas coisas de forma diferente...mesmo sem saber exatamente o que.

Por via das dúvidas, voltou o relógio outras vezes até o dia 13. Ficou vivendo naquele intervalo durante uns dois meses corridos, mas mudava as suas atitudes, fazia coisas diferentes sem saber que estava mudando a seqüência dos fatos de forma perigosa. Por exemplo, num dos dias 13 de dezembro chegou atrasado na Rebouças. O farol onde roubara o rolex estava abrindo e o carrão preto passando. Teve que correr até o semáforo seguinte o qual, para a sua sorte, fechou. Para a sua sorte o trânsito estava lento como sempre. Alcançou o carro e levou o rolex. Mas foi por pouco. A partir daí voltaria o relógio apenas para o dia 14. Muito mais prudente e inteligente.

Fez coisas que não havia feito antes. Exemplo: nos dias que se seguiram ao dia 13 evitou contato com Stephanie, uma mulata tinhosa, cheirosa e gostosa, namorada do dono do morro e que dava o maior mole prá ele. Na verdade ele sempre fugira dela. Sabia o quanto era perigoso. Entretanto, em uma de suas voltas ao passado, resolveu que era hora de encarar, porque se sentia mais poderoso. Esse poder abria o seu apetite. Levou a moça pro barraco e viveu uma noite de sonho. Voltou a essa noite muitas vezes.

Por volta de um dos dias 16 de dezembro passou em frente a uma loja e viu um Playstation 3 na vitrine, igualzinho ao que iria comprar para o seu mais novo. Como não poderia abrir mão do relógio voltou ao dia 16 inúmeras vezes, estudou todos os movimentos da vizinhança, certificou-se de que não havia polícia por perto, até que entrou na loja, anunciou o assalto, quebrou a câmera, levou o aparelho e ainda esvaziou o caixa de quebra. O presente do moleque estaria garantido de qualquer maneira.

Com o dinheiro do roubo comprou uma arma melhor e maior, fácil de ser encontrada no morro. Arquitetou assaltos mais audaciosos porque tinha a vantagem de saber tudo de antemão, de observar, de saber por onde escapar. Supermercados, postos de gasolina, farmácias, não havia obstáculos. Chegou até mesmo a entrar muitas vezes em restaurante fino, muito bem vestido, comer de tudo, beber de tudo e na hora da conta escapar para o dia anterior com o bucho cheio, que ao voltar estava vazio de novo. Mas o prazer de ter experimentado aquela comida de rico, esse ficava.

Foi ao Pacaembú ver seu time jogar, deu rolê com carro importado de test-drive, pegou resultado de megasena, voltou, jogou e ganhou, levou Stephanie a motel caro, foram dias de glória. Parou de roubar porque descobriu que não precisava pagar por mais nada e isso é tudo o que qualquer pessoa pode almejar. Nesse intervalo de cinco dias, que durou quase noventa, viveu como um rei. Almoçava e jantava nos jardins, morava em hotel 5 estrelas, usava roupas caras e desfilava de bacana no morro. O chato é que não podia reter nenhum objeto, comprado ou roubado, tinha que fazer uso deles apenas até mexer no relógio novamente. Sempre que voltava no tempo o dinheiro e os objetos desapareciam e ele tinha que fazer tudo de novo. E tinha que ter método, agir com cautela, não dar nenhum passo em falso. Essa rotina foi cansando. Ele já estava estressado com tanto trabalho e tensão. Além disso havia sempre o receio de que alguém lhe roubasse o relógio reluzente. Seus vizinhos não eram de confiança, pensou, como se fosse pessoa de bem.

Num certo 18 de dezembro resolveu fazer novas experiências, ousar. Com o relógio nas mãos pensou muito e se perguntou: “se essa pôrra faz o tempo voltar deve adiantar também né?!” Hesitou alguns instantes e resolveu adiantar o marcador para o dia 25. Queria saber como seria o seu Natal. Certamente ótimo, com tanta fartura. Quem sabe até na praia? No estrangeiro? Com Stephanie? Ele sabia que a partir do momento em que pressionasse a coroa de volta e ouvisse o clique não haveria mais volta. Hesitou mais um pouco e pensou: foda-se! Clic!

A mesma tonteira, o mesmo barulho de vento e de repente uma sensação de leveza, que nunca sentira antes. Abriu os olhos. Estava pairando perto do teto. “Que merda é essa?” pensou. Ouviu vozes. Olhou para baixo e viu um caixão com o seu corpo dentro. “Caraaaalho Maluco”!!!, coçou os olhos ou o que imaginava que fossem olhos. Era ele mesmo. Ao lado do caixão apenas duas pessoas no seu velório. Miltão, o dono do boteco e seu Jaime, o vizinho. No pulso do seu cadáver lá estava o rolex de ouro. Por algum descuido ninguém percebeu que era legítimo ou ninguém teve coragem de surrupiar a joia do defunto.

De repente foi descendo do teto, tentou pegar o relógio. Não conseguiu. Gritou com força: “Seu Jaime, atrasa o relógio pro dia quatorzeeee”. Nada. O velho tá surdo?! “Miltão, me ajuda peloamordedeus”! Nada. Ainda ouviu seu Jaime comentando com Miltão: “O Machadão não deveria ter andado logo com a mulher do Paraíba”. E antes do que estava por vir teve tempo de pensar que se o relógio marcasse os anos voltaria para a sua infância. Faria tanta coisa diferente...mesmo sem saber exatamente o que!

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Quem acompanha esse modesto blog....

sabe que não costumo postar aqui os meus textos de "não-ficção", mas, assim como o meu cheque especial, tudo tem limite. Eu precisava fazer esse relato a respeito do que vivi na noite de ontem!



ONTEM ESTIVE COM UM DOS GRANDES


O escritor e poeta G.K. Chesterton disse que “há grandes homens que fazem com que todos se sintam pequenos. Mas o verdadeiro grande homem é aquele que faz com que todos se sintam grandes”. Esta foi exatamente a sensação que me ocorreu ontem. O que parecia que seria uma segunda-feira à noite como tantas milhares de outras acabou sendo uma que nunca irei esquecer.
Seis e pouco da tarde recebo um telefonema do meu amigo violonista Ítalo Perón, dizendo que Paulo Vanzolini acabara de lhe telefonar “solicitando” uma roda de choro na casa dele. Eu seria um dos poucos e felizardos convidados. Fui, com o coração aos pulos e com o cavaquinho debaixo do braço. Como recusar a um convite desses?
Lá chegando, desci do carro e tive um surto do que seria algo próximo à Síndrome de Stendhal, aquela sudorese, palpitação, sensação diáfana que se sente diante de uma grande obra de arte. Em poucos segundos eu estaria entrando na casa de Paulo Vanzolini, autor de centenas de obras de arte que eu tanto admiro há tantos anos. Parei, respirei e toquei o interfone da pequena casa de vila.
Na pequena sala já estavam em plena atividade o já citado Ítalo, acompanhado de Fábio Perón no bandolim, Pratinha na flauta, Artur no pandeiro, Cidão ao cavaco e a também anfitriã Ana Bernardo nos vocais. Timaço! No canto, sentado numa poltrona, o velho Mestre! Me apresentei como quem dá a mão a um anjo e disse: muito prazer! Poucas vezes na vida disse essa expressão com tanto significado. A despeito de Ítalo ter dito ao Mestre que eu seria um escritor e compositor (háháhá...”que sé yó”, como dizem os portenhos) já percebi de cara que seria muito benvindo e bem tratado por ele.
Já saquei o cavaco do “case” e me aboletei perto dele, antes que um súbito ataque de pânico sobreviesse. Logo de cara ele pediu “pedacinhos do céu”, letra colocada por ele na imortal criação de Wladir Azevedo. Atacamos. Ao final Paulo Vanzolini estava em prantos e anunciou solenemente que aquela música o emocionava demais. Começamos bem! A partir daí, tudo o que ele disse foi diretamente para mim, olhando nos meus olhos, porque não me conhecia e queria mostrar suas obras e contar suas histórias para mim, como se eu não as conhecesse. Disse (sinceramente) que era uma ousadia da parte dele colocar letra num choro de Waldir Azevedo e que ele deveria estar revirando dentro do caixão. Disse ainda que para ele isso era uma grande honra. Não agüentei e disse sem pensar: “para o Waldir também certamente é”, como se o próprio tivesse me soprado a frase nos ouvidos, lá do além!
A noite foi rolando de forma agradabilíssima e nos intervalos das músicas o “Seu” Paulo foi contando histórias deliciosas, sempre olhando para mim. Contou que se tornou grande amigo de Garoto e que com ele nunca conversou sobre música. Também foi amigo de Jacob do Bandolim e ensinava lições de ciências ao filho dele, Sérgio Bittencourt, quando este era garoto. Foi, enfim, gratuitamente contando grandes histórias sobre grandes pessoas, algumas tristes, outras engraçadas. Um patrimônio histórico absurdo e que deveria ser escrito algum dia, se ele concordasse.
O mais curioso é que “Seu” Paulo, por não se considerar músico e compositor e sim um cientista (também dos bons), contava essas histórias como se estas pessoas todas fossem superiores a ele, como se fosse uma dádiva essas pessoas lhe concederem amizade, como se ele não fosse um grande ícone da música brasileira. Entendi imediatamente que ele se vê num degrau inferior. Incrível!
Em determinado momento começamos a tocar as suas próprias obras, com ele cantarolando baixinho.
Tocamos “Seu Barbosa” e ele me contou que fora uma música encomendada para tirar uma onda com Adoniran. Senti-me tentado a dizer que ouvi essa história contada por ele mesmo no documentário “Um Homem de Moral” (já gastei o DVD de tanto asisitir), mas prudentemente calei e deixei o Mestre falar.
Não tocamos as mais óbvias (Ronda, Praça Clóvis, Boca da Noite) e continuamos singrando os deliciosos mares do “lado B”.
Bandeira de Guerra foi a próxima. Não resisti e disse a ele que acho essa música maravilhosa. Ele me respondeu com olhar de sincera curiosidade; “é mesmo”?
Quando tocamos a maravilhosa “Noite Longa”, “Seu” Paulo não se lembrou que essa música era dele! Incrível! Pensei que isso era o cúmulo do desprezo com suas próprias criações ou talvez um ar “blasé” forçado, de pouco caso, mas, vindo dele, é uma manifestação legítima e perfeitamente compreensível.
Por volta das 11 da noite, sem se despedir de ninguém como é permitido aos grandes, “Seu” Paulo levantou-se da poltrona e subiu as escadas do sobrado. Todos se entreolharam e não foi preciso dizer que o Mestre, nos seus gloriosos 87 anos, estava cansado. Mas a noite estava ganha.
De quebra ainda apareceu por lá Roberto Riberti, parceiro de Eduardo Gudin, Elton Medeiros e Arrigo Barnabé, letrista de obras primas como O Velho Ateu, Águas Passadas, Lenda, Cidade Oculta e tantas outras maravilhas. Conversamos bastante. Que noite!!!
Estar com essas pessoas faz com que nos sintamos, um pouco, como um deles e se o hábito do cachimbo faz a boca ficar torta, talvez um dia eu realmente seja. Oxalá e Inshalá!