Total de visualizações de página

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Poema novo

na praça!


VIDA ZUNIDA.

A vida dormia do lado de fora,
sempre à espreita no sereno.
Às vezes tocava a campainha
e fugia em desabalada carreira.
Na rua me ultrapassava
e eu corria atrás dela
até finalmente alcançá-la.
A vida demonstrou ser afável
e cruel.
Ela é uma criança passando trote,
brincando no chão.
É um constrangedor trava-línguas.
É o sol entrando pela janela de manhã.
É um cume de montanha nevado
visto de muito longe.
É cheiro de mato úmido cortado
e também de óleo diesel queimado e banheiro público.
A vida é som de buzina e música boa.
É um sorriso escancarado.
E ela vinha através de suas mãos trêmulas
segurando as minhas
ou me trazendo uma xícara de café quente.
Também se abria nos relatos do dia,
cheios de aventuras e alegrias,
em seu olhar amoroso,
em seu abraço macio.
Um piscar de olhos e a vida se esvai.
Pois veio sorrateira
e foi levando tudo pelo caminho.
Menos as histórias.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Instigado e incentivado...

acabei voltando a cometer alguns sonetos. Este é da nova safra!



O BOM CLARINETISTA

Valho-me de gim para perfumar o futuro
Ouço canções para cimentar a amargura
Escrevo de primeira sem evitar rasura
Venço as guerrilhas diárias e perduro.
Se preciso exercito meu talento cênico
Distribuo sarcasmo sem ninguém em vista
Admiro aquele que é bom clarinetista
Pior sorver indiferença ao amargo arsênico.
De ambições tenho uma extensa lista
Bem mais longa que meu rol de bens
Na vida sou mero estudante bolsista.
Já perdi na história o imperdível trem.
Mas hoje parafraseio o velho fabulista
Sirvo-me de animais para instruir o homem.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Depois de uma breve pausa...

tem conto novo na praça!


O AUTO DO DESCRENTE

Era assim. Sem mais nem menos e sem aviso Padre Alcebíades aparecia na casa dos membros de seu razoável rebanho, geralmente perto da hora do jantar. E ficava até ser convidado a partilhar as tortas, as macarronadas e os frangos assados. Adorava comer e comia muito mais do que seu pequeno corpo necessitava.
Pedro Henrique, aos oito anos, preparava-se para a primeira comunhão em aulas de catecismo ministradas pelo Padre. Seus pais eram muito católicos, daqueles que nem passam perto de açougue em sexta-feira santa e Padre Alcebíades adorava os pratos gordurosos que Dona Eulália, mãe de Pedro, fazia. Talvez por isso o Padre aparecesse em sua casa pelo menos duas noites por semana. Devorava tudo em quantidades assombrosas e ainda fazia elogios aos pratos com o conhecimento de um bom gourmet.
Alcebíades era gaúcho de Lageado. No Vale do Taquari toda família italiana tinha pelo menos um padre. Algumas até mais de um. Os irmãos viraram médicos, advogados e engenheiros. O garoto Bide, como não demonstrasse nenhuma habilidade específica, foi empurrado para o sacerdócio com muita convicção e sem que tivesse qualquer aparente vocação. Os pecados da luxúria, soberba ou avareza não o incomodavam tanto. O que lhe causava crises de culpa e horas de confessionário era a gula. Não fugia de um bom churrasco de costela e nem de um galetinho na brasa. Macarrão então era a sua especialidade. Carne de porco era objeto de sua paixão. Outra fraqueza sua era o futebol. Gremista de carteirinha, Padre Alcebíades não perdia um jogo sequer do seu time na TV e às vezes no estádio. Xingava adversários e mães de árbitros com a desenvoltura e o repertório de um estivador. Mas isso, na sua concepção de sagrado, Deus perdoaria. Eram só momentos de puro desvario lúdico.
Pois foi justamente durante um Grenal de final de campeonato gaúcho que Padre Alcebíades, em frente à TV, sentiu um aperto forte no peito seguido de uma dor lancinante. Lembrou-se imediatamente de sua última visita ao médico, quando este lhe dissera que ele tinha mais colesterol do que sangue correndo nas veias e que sua pressão arterial estava muito além dos limites. Entrou em pânico, gritou e desmaiou. Algum padre próximo o acudiu. Ele acordou no hospital e soube que já tinha sofrido duas paradas e que iria imediatamente para a cirurgia. Três safenas e uma mamária foi o saldo final da aventura. Cirurgia complicadíssima que durou quatro horas. Nasceu de novo!
Tempos depois apareceu na casa dos pais de Pedrinho, na hora do jantar como de costume. Comeu pouco, evitou as frituras e caprichou na salada. Contou em detalhes o enfarto do miocárdio que sofrera. Narrou com as minúcias de um cardiologista a dor aguda no peito, os momentos de pura paúra que passara no hospital, as paradas cardíacas, elogiou demoradamente os cirurgiões que lhe salvaram a vida, num relato pós-jantar emocionado que durou mais de uma hora. Pedrinho e seus pais ouviram tudo com muita atenção e preocupação com a saúde do querido pároco.
Mas no final Pedrinho disse: - “padre, posso fazer três perguntas?”
- “Claro meu fiho” disse o religioso. Então mandou:
- “O senhor acredita na vida eterna, não é?”
- “Óbvio filho!”
- “E o senhor sempre diz que a vida eterna é a glória de estar junto ao Criador e que isso deve ser muito bom, não é?”
- “Sim filho!”
- “Então porque o senhor tem tanto medo de morrer?”
O religioso deu uma resposta evasiva, tentou explicar que os seres humanos, na sua pequenez diante de Deus, sentem medo de morrer mesmo, que ele era um simples humano, etc, etc......e saiu rapidamente. Nunca mais foi visto na cidade. Alguns dizem que teve outro enfarto e enfim morreu. Outros que largou a batina. Os mais detalhistas juram que ele virou crítico de culinária num jornaleco de cidade do interior e ainda dá uns pitacos sobre as últimas contratações do Grêmio. O estilo narrativo é inconfundível. Ah, e que se casou com uma mulata de seios avantajados e tem quatro filhos.