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sábado, 29 de maio de 2010

Evoé José Ramos Tinhorão

NOTA DE FALECIMENTO


Faleceu há muitos anos, em todas as cidades do Brasil, a música brasileira. Assassinada por milhares de pares de mãos, resistiu bravamente antes do derradeiro suspiro. Tentou-se os processos de ressurreição de praxe através de sessões de massagens cardíacas perpetradas por centenas de cantorazinhas cheirosas, pretensiosas, sem graça e de voz terrivelmente anasalada. O féretro saiu há muito tempo, apesar de ter o cadáver permanecido irritantemente insepulto.
Lamenta-se ou não.
A falecida não deixa herdeiros nem herança.

Sabadão!!!

Neste sábado ensolarado, em que tenho a nítida sensação de que apenas eu estou trabalhando no planeta, por causa desse antigo sonetinho que segue abaixo comecei a pensar em como é curiosa aquela sensação de ser tão ridículo diante da mulher amada.
É um tema recorrente para mim.
Vamos lá!




RETALHOS


Tua boca uma tela de Tápies,
Tua pele um tecido raro,
Tuas palavras, uma confusão de naipes,
Teus odores um presente ao faro.
Teus olhos são dois ovos Fabergé,
Teus cabelos deixam ondas numa seda.
Teus gestos pinceladas de Monet,
Teus amores Rodin copiou em pedra.
Desde cedo aprendeu a perceber
Que a vida é um enigma fino
Que um desenho de Escher nos faz ver.
Tua voz som de mil violinos
Que um verso de Drummond faz descrever.
E eu, insôsso como um pepino.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Assim...

Sim amigos. Eu estava evitando obstinadamente me render ao mais desbragado romantismo, mas os eflúvios de Eros venceram! Daí a postagem deste poema antigo, escrito nem me lembro para quem e em quais condições. Péssimas seguramente,uma vez que tem um tom cinicamente melancólico e propositadamente canalha!



ASSIM O AMOR SE MANIFESTA EM MIM


Eu olharei demoradamente para o alvorecer dos teus olhos doces
E encontrarei no caminho o teu olhar sereno
E desfolharei, folha a folha, os segredos do teu sorriso
E o meu sorriso posterior não esconderá o calor obsceno
Que envolverá minha alma amotinada e abarrotada de gin
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Algum amigo providencial se incumbirá das apresentações devidas
E tocarei pela primeira vez teu corpo através de tua mão trêmula e fria
E arriscarei um beijo desajeitado em tua face de cetim,
Que me revelará odores que não suspeitava e ângulos que não via
E recolherei minha mão tímida na segurança de um bolso de brim
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Um silêncio quase eterno se fincará entre nós dois
Até que iniciemos o desfile de afinidades, indefinidamente
E buscarei explicações para a estranha sensação de já conhecê-la
E conversaremos a noite inteira e me ocuparás inteiramente a mente
E a festa, que já não existia, chegará rapidamente ao fim,
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Após as despedidas protocolares eu sonharei contigo e com tua voz
De timbre inédito, que me fará ser teu eterno ouvinte
E guardarei com a vida o papel improvisado, com teu número
E telefonarei no outro dia e em todos os seguintes
Até conseguir rever teu inesquecível rosto enfim
Porque é assim que o amor se manifesta em mim

Procurarei tua alma com minha língua, no primeiro beijo,
Que não será o último, nem o melhor, nem o imprescindível
Mas que virá antes de todas as melhores sensações do mundo
E derreterá as profundezas do meu corpo irredutível
E colorirá meu rosto com teu batom carmim
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Descobriremos semelhanças de alma e dessemelhanças de corpo
Com um desejo voraz de saber absolutamente tudo
De conhecer a luz interna, um do outro, abertamente,
Para saber exatamente o que nos deixa mudos,
O que nos aperta o coração mas que não é ruim
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Chegará doce e tranquila a hora de fazer o amor
Que será desejado como o primeiro em nossas vidas
E abraçarei teu corpo e permanecerei em ti após o gozo
E esquecerei uma a uma antigas paixões mal resolvidas
Pois serás realmente a primeira em minha vida, do começo ao fim
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Então, sem nenhum aviso ou carta de advertência
A insegurança tratará de se instalar onde não foi desejada
E os nossos humores variarão, dia após dia
E um sopro rude tentará apagar a chama já desgastada
E sentirei receio de tentar reacender o estopim
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Ao teu lado sentirei tua ausência torturante
E não ouvirei mais tua harmoniosa voz a chamar pelo meu nome
E perceberei teu corpo repelindo silenciosamente o meu
E a dessintonia me afastará de ti e me dará fome
E beberei até desmaiar no primeiro botequim
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Partirei discretamente, num breve intervalo de tua ruidosa gritaria
E passarei a vida imaginando o quanto poderia ser belo
E cultivarei em minha coleção mais um desastroso desencontro
E cobrirei com meu solene manto o meu amor paralelo
Até chegar o momento de redescobrí-lo, enfim,
Porque é assim que o amor se manifesta em mim.

Assim a morte aguarda a minha vida
Com seu sorriso de marfim.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Mágoa do mundo.

Esse poeminha é auto-explicativo em tempos como esses...



O ENGOLIDOR DE COISAS

Aos seis anos de idade engoli um apito.
O doutor consultado quis saber do artefato
O tamanho, o formato, espessura e atrito.
Especificações fornecidas por meu velho avô
O clínico foi definitivo em seu veredito:
- “Não há com o que se preocupar, isso sai no cocô...”


Aos onze anos de idade tomei o primeiro porre
Num coquetel em homenagem a um tio importante.
Provoquei na verdade um extenso corre-corre.
Devolvi por mesma via o uísque e o daiquiri
E nesta oportunidade é meu pai quem socorre:
- “Não se preocupem que o resto sai no xixi...”


Já quando adulto, o rosto barbado,
Engoli toda a sorte de objetos absurdos.
Mentiras, falácias, ameaças de advogados,
Hipocrisia, sarcasmo, jogos de esconde-esconde,
E sem quem me socorra pergunto assustado:
E essa sujeira toda, sai por onde?

sábado, 22 de maio de 2010

Letra nova.

Neste sabadão bacana resolvi postar uma letra nova, ainda sem música que a jogue no solo e lhe faça mulher.
É a história de Zé Mosca e Stephanie Laura.
Qualquer semelhança com Cyrano é mera coincidência.




Zé Mosca conheceu Stephanie Laura, num baile funk da vida, na comunidade ao lado.
Depois de reconhecer o seu território, se benzeu, beijou a santinha, pra evitar qualquer mau olhado.
Ensaiou uma frase feita pra deixar a gata bem acesa: “mulher se você fosse sanduíche iria ser um X- Princesa”.
E partiu para cima de Stephanie com muita fome mas na hora suou, gaguejou, tropeçou e esqueceu o seu nome.
E recuou pensando o que faria para conquistar aquela deusa que morava com a tia lá na Rua B,
A vida é dura e Zé disso bem conhecia e foi à luta do melhor jeito que sabia.

Botou anúncio romântico na rádio da comunidade,
Dedicou música lenta para Stephanie anonimamente,
Mandou buquê de flores comprado em loja da cidade,
Andou muito mais para trás do que pra frente.
Pediu ao Zé Caneta um poema dedicado a ela,
Mandou pelo correio o sonetinho esperando o porvir,
E ficou lá achando que era um Zé Ruela, requenguela
Porque ela nem soube que era ele o Shakespeare,

Ocorre que Stephanie Laura, recém saída da fralda, nunca tinha sido cantada assim
E se encantou com o bardo que escreveu aquelas palavras e que escrevia lindo como ninguém,
Tentou, pelejou e acabou descobrindo o autor da proeza e começou a sentir um amor que não tinha fim,
No fim da história o chato é que o Zé perdeu a morena porque o Zé Caneta se deu bem.

Pra quem acha que tudo acabou, dançou porque além disso tudo, Zé Mosca possuía uma Beretta,
Sem registro etecetera e tal, lascada e meio enferrujada mas de perto ainda era uma arma letal,
Então o Zé pegou os dois no flagra dentro do barraco e apagou Stephanie e de quebra o Zé Caneta,
Saiu pelo bairro falando que era o bamba e se alguém se envolvesse ele ia matar geral,
Acabou no fim da Vila, da vida e da espera, pegou dois reféns e foi cercado pelo GATE
Se escondeu na quebrada, num conjunto residencial
Gritou da janela não me mate, não me mate
E se entregou exigindo OAB, rádio, TV e uma cela especial.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Umbigo.

Há quem recomende ter e cultivar um universo interior o mais rico quanto possível.
Há quem já nasça com ele. O importante é que pessoas assim nunca sentem solidão e isso, convenhamos, já é um feito incrível no século 21!

UMBIGO


Olhar para o próprio umbigo.
Descobrir ranhuras na pele.
Um novo ângulo de um velho amigo.
Descobrir a profundidade que revele
Que o passado ficou antigo.
Olhar para o futuro fecundo.
Olhar para o próprio umbigo
E descobrir o mundo.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Duas mil dúvidas e dois reais no bolso!

Às vezes tenho a exata sensação de que escrever poemas é lançar palavras ao vento. Outras vezes sou atropelado por uma auto-crítica tão mordaz e violenta que faz com que minhas unhas diminuam nos dedos. Mesmo assim, persisto. É o que resta aos mortais. Aos imortais, a Academia.
Eis o sonetinho de hoje:


DICIONÁRIO DE RIMAS


Ao fundo do poço foram as idéias
E submergiram na turva água fria,
Como versos estagnados na traquéia
A espera de improvável hemorragia.
E ressurgiram plenas de dessimetria
Lavadas no lodo, destiladas no sigilo
Que em meu epílogo, qual ventríloquo, repetia,
Automático como os gestos de um crocodilo.
Escolhi palavras num dicionário
Mecanicamente, como salta um atleta,
Distribuindo quatorze rimas num aquário.
Achei que delas seria um esteta
Mas da emoção eu era apenas locatário,
Longe do verso necessário e de ser poeta.

sábado, 15 de maio de 2010

Conto novo.

Bom dia, ou será boa tarde, meus amigos blogueanos. Após uma gripe avassaladora e dias e dias de vitamina C e cama volto aqui para postar um conto da minha nova safra.


AMANDINHO E DAYSINHA




Amândio, com acento circunflexo, era taxista com ponto no bairro da Cachoeirinha há muitos anos, assim como foi seu pai. Porém, seu pai tinha sido “chofer de praça”. Era um pouco diferente. Quando não estava no ponto fazia ponto no bar do seu Juca, português de Leiria. Era um botequinho apertado, com mesas de metal branco e candidato “hors concours” ao prêmio de banheiro mais sujo de São Paulo, se o prêmio existisse.


Tendo 1,65 de altura, Amândio virou Amandinho. Já entrava nos seus 38 anos, ainda solteiríssimo e com os cabelos rareando rapidamente. Alguns no bar do Juca até olhavam desconfiados para Amandinho e eram comuns as cutucadas de cotovelo quando ele entrava pedindo invariavelmente uma Caracu e uma coxinha. Depois sentava com algum amigo e iniciava uma longa tarde de dominó. Não que não trabalhasse. Trabalhava o suficiente. Acordava bem cedo, tomava um café preto e tirava o Santanão branco da garagem. Ia direto para o ponto, distante duas quadras e por ali ficava esperando uma corrida. Às vezes pegava uma para o centro, ou para bairros vizinhos, Casa Verde, Freguesia. Almoçava onde Deus queria e no meio da tarde já estava no Juca. Enrolava até a noitinha e ia para casa, sobrado herdado dos falecidos pais, ver o Jornal Nacional. Depois uma sopinha, algum filme do Chuck Norris ou do Steven Seagal dublado e cama. Esse era o seu ritual diário.


Ferreira e Tinguá, dois assíduos freqüentadores do Juca, viviam fazendo apostas: Amandinho é ou não é viado?! Ferreira jurava que sim. Tinguá dizia já te-lo visto na zona do bairro mais de uma vez. Outras vezes Amandinho teria sido visto com algumas mulheres. Mas eram do tipo de mulher com quem ninguém quer ser visto sob pena de ter a sua reputação arrasada. Se Amandinho realmente gostasse de mulher, no mínimo não entendia nada do assunto. Alguns já o tinham apelidado de “Shrek, o domador de dragões”. Até seu Juca entrava na aposta e foi o próprio, com seu sotaque carregado, quem alertou Amandinho um dia. – “Olha seu Amandio, eu não queria falar mas o pessoal anda a desconfiaire do senhor”. “Como assim ô Juca?”. “Andam a dizeire que o Sr. não se casa porque não gosta da fruta, ou que no mínimo precisa usaire óculos porque só vive a andar com mucréias”. Amandinho não dava muita importância a isso. Quando muito, sentava-se à mesa do bar e declarava a quem quisesse ouvir a sua já famosa teoria:

“Homem que quer progredir na vida, ganhar dinheiro de verdade, tem que casar com mulher feia, chata, tímida e carinhosa! Explico: Se o cara casa com uma lindona e gostosona, vai querer ir pra casa cedo todo dia, ou para desfrutar sua esposinha, ou por preocupação. Ah, a preocupação meus amigos. Essa acaba com o sujeito. Ele anda na rua com a mulher e todo mundo olha. Fica assim da gavião sempre sobrevoando, sempre com mil gentilezazinhas para a mulher dele. Ele tem a exata sensação que quando passa com ela todo mundo pensa: o que esta mulher está fazendo com um babaca desses? Essa preocupação desvia o foco da pessoa, entendem? O cara vai pra casa cedo, não trabalha direito, telefona no celular dela de dez em dez minutos e ela não atende nunca, fica pensando o dia todo no que a mulher dele estará fazendo, acaba fazendo cagada no trabalho e é demitido. Vive pulando de emprego em emprego, só se fode na vida, percebem? Mas se ele casar com uma mulher feia e chata, não vai ter ninguém querendo ser sócio dele. Ele pode ficar despreocupado. Aí ele fica sem a menor vontade de chegar em casa cedo porque a baranga é uma pentelha. Com esse tantão de tempo sobrando o cara acaba trabalhando mais, fazendo serão, ganhando mais, o patrão dele gosta, ele acaba progredindo na firma, um dia, vai ver, já é sócio, ganhando um dinheirão! Um exemplo é o Pedrinho. Já é gerente lá na oficina. Olha a mulher dele! Compreenderam? No meu caso eu poderia trocar o Santanão, ir prum ponto melhorzinho, trabalhar dia e noite e enricar. Por isso eu não casei ainda. Tô procurando uma mulher assim”.


Sempre tinha um que perguntava: “Tá Amandinho, a parte do feia e chata eu já entendi, mas porque tímida e carinhosa?”

“É só pensar um pouco: tímida porque ela vai querer sempre transar com a luz apagada e você pode até imaginar que ela é a Juliana Paes, a Xuxa, sei lá, ao gosto do freguês. Não perde a vontade olhando pra infeliz, compreendeu? Carinhosa porque é bom né?! Na hora que a luz apaga é final de campeonato. Daí eu me garanto!!!”


Amandinho defendia essa teoria absurda com tamanha paixão que acabava convencendo o coro dos desconfiados. Não que ele fosse algum galã da Globo mas isso explicava porque ele só andava, ainda que raramente, com mulheres que poderiam ser contratadas como atrizes do trem fantasma do Playcenter.


Corte rápido. Dayse era uma mulata de vinte e dois anos capaz de fazer o Seu Juca devolver troco antes do sujeito pagar a conta. Desfilava de destaque na Unidos do Peruche. Morava perto do boteco e sempre dava uma passadinha lá antes de chegar em casa para comprar um chicletinho, balinhas ou outras daquelas guloseimazinhas que as mulheres adoram ter na bolsa e que juntam formigas. Invariavelmente ia com calças brancas (tinha coleção) apertadas ao ponto de deixar entrever marcas de vacinas que pegaram. Calça branca é uma coisa cruel. É gostosa até no varal. O fato é que, do momento em que Dayse entrava no boteco até quando saía e já ia a distância razoável, todos calavam. Nem respiravam. Os entreolhares diziam tudo. Seu Juca se desdobrava, tentava agradar a Deusa, comentava a meteorologia, oferecia biscoitos de polvilho, guaraná, perguntava detalhes da novela, fazia de tudo enfim para manter Dayse dentro do bar o máximo de tempo possível. E Daysinha, como gostava de ser chamada, era tão gostosa que mesmo depois que já havia saído há tempos do bar ninguém comentava absolutamente nada. Não era necessário. Todos concordavam que ela era a garota mais incrível do bairro. Quiçá da Zona Norte. Apenas de vez em quando, um ou outro freqüentador suspirava longamente, ou limitava-se a dizer: “é...”, ou algum muxoxo parecido.



Mas e não é que, por alguma dessas razões que só às almas femininas é dado conhecer, Daysinha andava lançando uns olhares compridos na direção de Amandinho?! Era algo impossível de se pensar mas estava ficando muito evidente. Inicialmente alguns começaram a perceber que todas as vezes em que Amandinho estava no bar, invariavelmente olhando para a tv ou folheando com o olhar distante alguma revista “O Cruzeiro” de 1963, Daysinha demorava-se mais, pedia um lanche ou um guaraná, coisa que nunca fazia. Além disso ela falava perceptivelmente mais alto, talvez na tentativa de chamar a atenção do distraído do Amandinho. Pior, mexia muito nos cabelos alisados artificialmente. Ferreira comentava: “Ih, mulher quando mexe muito no cabelo tá querendo é rola e pelo jeito o negócio é com o Amandinho”. Todos retrucavam como que defendendo as suas próprias candidaturas a macho alfa: “Cala essa boca babaca”! Mas o fato é que a situação foi se tornando mais grave a cada dia, até que Daysinha começou a cochichar longamente com Seu Juca. Assim que ela saía, todos cercavam o pobre português e o massacravam com saraivadas de perguntas. Seu Juca, homem simples porém de arraigadas tradições de cavalheirismo, dizia que não era polido revelar os segredos de uma dama. – “Aaah, que dama o cacete ô Juca..., conta aí”!!! Mas a boca do gajo transformara-se num túmulo. De uma outra feita, quando iam animados os cochichos, Tinguá deu um pulo e abaixou rapidamente o volume da televisão. Foi quando todos ouviram Daysinha dizer para o Juca:...”mas será que ele também gosta de mim?”. Pronto, foi o caos. Após Daysinha ir embora o bar se transformou numa praça Charles Muller em dia de derrota do Corinthians para o Bragantino. Todos xingando-se mutuamente, outros dizendo “eu falei! eu falei!!!”. Até um copo voou.


Com o tempo, até quem não acompanhou a situação desde o início já aparecia frequentemente no boteco para saber das novidades do caso. Estava mais divertido do que seguir novela!


Porém, ai porém, nem a mais obscura mente de um novelista, nem a fértil imaginação de Tinguá, seriam capazes de imaginar a cena que ocorreu tempos depois. Após um sumiço de algumas semanas, no esplendor de um sábado a tarde, Amandinho entra no boteco do Juca, com ar de triunfo, de braços dados com Daysinha e comanda com voz pausada e firme: “uma Caracu prá mim e um guaraná aqui pra minha Deusa”! Ferreira caiu da cadeira. Levantou-se rápido e saiu sem pagar os tremoços. Tinguá largou a rabada no meio e vazou em seguida. Até os poucos bebuns que jogavam dominó por ali deixaram o jogo inacabado e também partiram. Aquilo era uma afronta! Amandinho acabara de assassinar o sonho dos fins de tarde. Taxista de merda, filho da puta!!! Como isso era possível, pensaram todos ao se reunir na esquina seguinte para os comentários.


O fato é que o noivado foi rápido, daqueles só no portão, com pai e mãe aprovando e logo em seguida ocorreu uma cerimônia de casamento bastante simples. Amandinho e Daysinha juntaram as escovas de dentes. Apenas Seu Juca foi convidado.


Hoje em dia Amandinho não aparece mais no bar. Tampouco Daysinha. Mas os freqüentadores de sempre não conseguem esconder um ar de satisfação quando percebem que Amandinho chega em casa cada vez mais cedo, isso quando não dá umas incertas durante o dia, estaciona o Santanão já meio combalido e sujo em frente ao bar, espia se todos estão lá dentro e depois dá algumas voltas no quarteirão antes de voltar para o ponto. Todos percebem a sua barba por fazer e seu olhar triste. Já Daysinha, usa calças cada vez mais brancas e está cada dia mais linda e feliz.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Samba de breque!

A postagem de hoje é uma letra de samba de breque que tem a sua história.
Composta por volta de 1998, recebeu música do amigo/parceiro Cláudio Duarthe, violonista, arranjador, tenista e bebedor de uísque da maior competência (já foi melhor no uísque e, dizem, no tênis).
O samba correu chão, participou de festivais com um sucesso inesperado e foi interpretado pelo amigo Adílson Rodrigues e a banda "Cometa Gafi", bacana prá xuxú e todas as outras leguminosas.
Muitos já conhecem mas, como esse samba mora nos cantos escuros do meu coração resolvi mostrá-lo novamente.



NICKNAME BRAD PITT

MÚSICA: CLÁUDIO DUARTHE
LETRA: MÁRIO MAMMANA

Ultimamente eu não vinha dando sorte
Nem no jogo nem no amor, ao contrário do ditado,
Sobrevivendo a uma uruca forte
Minha vida na verdade parecia um feriado,
Não sou amigo do esforço e dos alteres,
Minha pança dá de vinte no “Tcham” da Carla Peres,
Minha idade já é calibre de pistola,
Armamento bem pesado e meu papo já não cola,

(Quem mandou fugir da escola...)

Por isso tudo as mulheres que eu tive
São lembranças de um passado já distante na memória,
Mas nesse assunto de passado não se vive
Os hormônios me incentivam a sair da pré-história,
Tentei de tudo pra escapar dessa “deprê”
Disque-amizade, disque-sexo e até namoro na TV,
Mas quem adora sacrifício é hindu,
Só me apareceu bruaca e um montão de tribufú

(Não sou almoço de urubú...)

Mas como a vida segue sempre seus caminhos,
Só malucos e moleques gostam de brincar sozinhos,
Deixei de lado essa calmaria
E resolvi sair a luta em busca de uma companhia,
Com a “merreca” da aposentadoria
Mais os trocados da cerveja, salaminho e coisa e tal
Comprei um micro, mas que alegria,
Inaugurei a minha fase de namoro virtual,
E já de cara comecei pintando o sete,
Conheci a Izildete que é a Rainha da Internet

(Eu vou molhar o meu disquete...)

Posso dizer que hoje estou rindo sozinho,
Encontrei minha metade, sou um homem bem mudado,
Quanto mais velho mais gostoso fica o vinho,
Ela tem 78 mas estou apaixonado,
Eu não me importo com questão tão imbecil,
Nunca via a cara dela ela também nunca me viu,
Que seja assim até que a morte nos separe,
De ilusão também se vive, que a sorte nos ampare,
Eu imagino que ela é uma Afrodite
E ela pensa que eu sou pura explosão de dinamite.

(Na internet eu adotei o nickname Brad Pitt,
Mas estou mais pra Moacir Franco, com uma puta de uma artrite....)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Soneto para ler numa segunda-feira

Imaginar a vida como se fosse um filme. Atitude típica de uma segunda-feira cinzamente paulistana. Tão útil quanto perversa. Esse sonetinho antigo fala exatamente disso.

É tão mais simples assistir a vida
Como se fosse um filme no futuro
Do que viver cada momento obscuro
Que se vive no concreto da avenida.
Os créditos rodariam ao final das cenas
Eu iria para casa, sem realidade,
Sem vida, sem pressa, sem idade
Pulando horas, atravessando arenas.
Se a vejo assim, de forma mais amena
Ela me acena com um final feliz.
Eu esqueço que vivo por um triz.
Eis o dilema sem nenhum verniz:
Ou fomentar ali o que me valha a pena
Ou contentar-me aqui com um pouquinho de cinema.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Enfim somos sexta-feira!

Pois muito bem. Dito isto, é de se reconhecer que a sexta-feira não é um dia talhado para as grandes indagações universais. A proximidade do "findi", o cheirinho da cerveja que se aproxima, a preguiça soteropolitana que invade o paulistano, tudo recomenda uma postura de serenidade e sossego. Portanto nada melhor do que uma historinha real e peculiar, motivadora do poema que segue abaixo. De algum tempo para cá, desde que meus cabelos começaram a ficar de outra cor, algumas pessoas acham que fiquei parecido com Vinicius de Morais. Há até quem me chame de "Vininha" e jure que sou a reencarnação do poeta, como se fosse permitido às almas que por aí passeiam ocupar corpos já em uso por outras almas menos nobres.
Evidente que isso me causa certo orgulho e me lisongeia. Pelo menos até certo ponto. Mas o fato é que, hoje, até eu me acho a cara dele, de tanto ouvir isso.
Daí, após essa longa história, o motivo do poeminha de hoje, o qual já é sobejamente "manjado" pelas pessoas que me conhecem bem:


EU QUERIA SER VINÍCIUS



No instante em que comecei a lê-lo
Eu já queria ser Vinícius.
Ao saber com quanto desvelo
O poeta exercera seu ofício,
Desfiando, belo, o novelo
Da vida em pleno exercício,
Mais eu queria ser Vinícius.

Quando vi sua alma de menino
Mais eu queria ser Vinícius.
Ao vê-lo tão sensível e londrino,
Vivendo sem nenhum desperdício,
Ao ouvir seu verso fino,
Entoado com saber vitalício,
Mais eu queria ser Vinícius.

E era em mim tão forte o apelo
De querer ser e ser Vinícius,
De desvendar o coração com zelo,
Fazer da mulher um nobre vício,
Que um dia olhei-me no espelho
E entre os respingos de dentifrício
Eu juro que vi Vinícius.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Capenga e maroto.

Minha postagem de hoje é um poeminha "mezzo" capenga, "mezzo" maroto, escrito no tempo em que as pessoas ainda enviavam fax!
Espero que seja do agrado.
Em tempo, antes que a confusão se estabeleça, a "Solange" é fictícia (só para dar rima).



MARCAS


Acendo um marlboro com meu isqueiro zippo,
No interior de meu fiat tipo.
A fumaça impregna minha camisa montecatini,
Já manchada pelos respingos de martini.
Sintonizo no dial a rádio cultura
E o locutor, que parece ter tomado uma 51 pura,
Anuncia mais uma canção de Gilberto Gil,
Entre uma e outra propaganda da amil.
Penso em tua pele cheirando a monange
Você, minha doce Solange.
Posso até ver você segurando um copo de amaretto,
Naquela noite chuvosa, no gigetto,
Quando você tirou seu tênis bamba,
Pisou nas poças, dançou um samba.
Você usava uma camiseta fórum
Na qual deixei o aroma de meu perfume quórum.
Depois da briga você jogou na rua os óculos vuarnet
E aquele lindo relógio cartier
Com os quais te presenteei na avenida Santo Amaro,
Quando você parou ao meu lado, em seu camaro.
Tive que tomar um lorax
E terminar tudo via fax.

Isso me deixou marcas.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

JONIUÓLKER E JÉQUIDÊNIEL

Hoje, um conto da nova safra.





JONIUÓLQUER E JÉQUIDÊNIEL




Sertão de Pernambuco, anos 80. Dona Lucimar acaba de parir gêmeos. Seu Josenildo fica feliz. Dois machos. Mais três viriam nos próximos anos e duas meninas completariam a prole mais tarde. Uma vez que Seu Josenildo era chegado num gole, ouvira alguns nomes de bebida cara e resolveu adotar: Joniuólquer Ribamar da Cruz nasceu primeiro. Em seguida a parteira tira Jéquidêniel Ribamar da Cruz, mais franzino.

Sobreviveram e cresceram, a despeito da miséria em que vivia a família, e ficaram conhecidos como Joni e Jequi. Logo demonstraram um talento incomum nas partidas de futebol no campinho da cidade, um pedaço baldio de terra cercado de mato por todos os lados. Nos escanteios não se via a bola de capotão. O mato chegava à cintura.

Na verdade o talentoso era Joni. Jequi enganava bem. Mas como eram idênticos a ponto de Dona Lucimar cortar o cabelo apenas de um para poder distinguí-los, geralmente Jequi levava o crédito pelas jogadas geniais de Joni. E Joni era um daqueles talentos que nascem a cada dez, ou vinte anos.


Sempre dividiram tudo. Dinheiro, comida, cuecas e até as namoradinhas adolescentes e suspirosas pelas jogadas geniais de Joni. Jequi amassou muita mocinha de família atrás da igreja por conta das maravilhas que Joni produzia no campinho. Eles já adoravam uma Maria-Chuteira.


A cidadezinha de Bezerros-PE, tão ínfima e pasmacenta, ficou pequena para o talento da dupla. Tanto que foram de mala e cuia, aos 16 anos de idade, para a vizinha e maior Vitória de Santo Antão, onde o glorioso Vera Cruz Futebol Clube já os aguardava ansiosamente. Chegaram e arrasaram na primeira divisão do Pernambucano daquele ano. Jequi como segundo volante. Joni como meia atacante. O Estádio Carneirão viu, embasbacado, o Vera Cruz sapecar 2 a 0 no Santa Cruz, rival de estirpe, e arrancar sofrido empate em 1 a 1 com o Sport de Recife. Era a glória! Dos times considerados grandes, só perderam de 1 a 0 para o Náutico e mesmo assim com gol impedido. Joni e Jequi, principalmente Joni, estavam se tornando legendários no agreste pernambucano. Mas Pernambuco também foi se apequenando. Jequi teve proposta do Guarani de Campinas e se saiu razoavelmente bem. Joni aportou diretamente no Clube de Regatas Flamengo. Ganhou o Carioca, a Copa do Brasil, foi craque do Brasileirão e o Brasilzinho ficou pequeno. Os olhos da Europa se abriram e, da noite para o dia, empresários sequiosos leiloaram o valioso passe do craque. Uma temporada rápida no Barcelona e, de repente a Internazionale de Milão. Os euros jorravam e a família de Joni mudou-se para a Itália para morar em mansão. Menos Jequi que continuava tentando melhorar a carreira em terras pátrias.

Joni acabou sendo convocado para o selecionado canarinho. Foi bem na Copa do Mundo, apesar do Brasil terminar em terceiro lugar. As críticas choveram. Joni ficou carimbado como craque de clube, que amarela com a amarelinha. Ainda assim, sua carreira prosseguiu com brilhantismo enquanto os cães tupiniquins ladravam. Ganhou dois escudetos na Itália, foi campeão europeu, campeão mundial interclubes, sempre arrasando e fazendo gols puramente mágicos.


Já Jequi amargava derrotas e anonimato no Brasil. Voltou a jogar em times pequenos, série B, série C, até que resolveu encerrar a carreira no glorioso Juventus da Moóca, que o contratara por um ano. Sim, aquele seria seu último ano como profissional do futebol. Depois de cumprido o contrato partiria para a Europa para morar com a família e, talvez, se tornar empresário de seu irmão gêmeo que a esta altura já estava sendo sondado pelo Chelsea da Inglaterra. Mas antes que isso acontecesse o Juventus iria disputar a final do torneio brasileiro da série C contra o Marília, em seu campo, na Rua Javari. Jequi teria seu grande e derradeiro momento de consagração. Jogaria a final, ganharia a taça e imediatamente comunicaria o encerramento da carreira.


Quis o destino que Joni, em férias na Europa, resolvesse visitar o irmão de surpresa e fosse encontrá-lo no vestiário, antes da final. Quis o destino que Jequi, ao ver o mano querido, levantasse de inopino e batesse o joelho na quina do armário, lesionando-o seriamente. Quis o amor fraterno que Joni se oferecesse para jogar em seu lugar sem que ninguém percebesse, já que, como se disse, eram idênticos.


Contra todos os prognósticos o Juventus, com um time teoricamente muito inferior, goleou o Marília por oito a zero e foi campeão. Sete gols de Joni, se passando por Jequi e um passe primoroso para o oitavo. Jequi via a sua consagração escondido no vestiário, por um buraco na parede, e terminaria a carreira brilhantemente.


Joni, de volta à Europa com o mano a tiracolo, teve uma estréia apagada no Chelsea. Na verdade foi muito mal. Perdeu um gol certo com a bola batendo na canela e saindo por cima, errou passes infantis, uma lástima. A imprensa inglesa, que não perdoa nem a Rainha, caiu matando e as poucas pessoas que souberam do acontecido na Moóca juram que Jequi quis devolver a gentileza.

terça-feira, 4 de maio de 2010

soneto antigo

Hoje estou postando um soneto escrito no milênio passado. Sim, soneto!!! Apesar de ouvir críticas e muxoxos eu era dado a escrevê-los. E gostava!
Este é antigo, mas vale agora, quando já estou nos "enta".

MENINO







É preciso andar livre pela praia.
É necessário sujar os pés de areia
Antes que a vida se torne irremediavelmente feia,
Antes que o sonho esmoreça e caia.
Ao seu lado é preciso ser menino
E menino é meu coração mutilado.
Ser indócil, é preciso, ao seu lado,
Para subverter as regras do destino.
É necessário um relógio quebrado,
O aprendizado, muito mais do que o ensino
E uma bola de gude no bolso furado.
É preciso decorar teu beijo como a um hino,
Cobrir de areia os desencontros do passado
E ao seu lado voltar a ser menino.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

letrinha nova

Meu amigo Rogério Santos, cantor e compositor "dos bão", dia desses postou uma frase no facebook que acabou sendo o mote desta nova letra. Saiu um samba de breque, como tantos outros que já compus.
Acontece que ele é morador da gloriosa Freguesia do Ó e torce desvairadamente para a Lusa.
A letra foi feita para ele interpretar (se ele quiser, óbvio) mas ainda não tem uma melodia muito bem definida.
Chega de prosa e vamos a ela:


JÁ PRA CASA ASTOLFO

Outono encorpado
Tarde tranquila de sábado
(ensolarada)
Coisa mais deliciosa tomar uma cerveja na calçada
(no velho largo da matriz)
É de mistér pedir um bis na coxinha sem varizes do Frangó
(tudo sem dó de ser feliz)
Olhar se não roubaram o Uno
E arrematar a festa com uma pizza no Bruno
(esfomeado é quem me diz)

E com o bucho forrado bater papo furado
No bar do Alemão
(uns bebem muito e outros não)
Mas eu acho que cachaça é uma bebida sem graça
É coisa de sem-noção
(salta mais uma com limão)
Então só tomo umas quatro
Para não passar por chato
E vou embora de chofer
(enchendo a cara de Epocler)
A situação está mais confusa
Do que torcer prá Lusa na primeira divisão
(é bom brincar com isso não)

No fim da aventura
Na mais pura caradura
(envernizada)
No caminho de casa parar prá saideira no Bar Ó
(mesmo já estando só o pó)
Na janela quem é ela a patroa de abrigo e creme no nariz
(já preparando a cicatriz)
Com voz de guerra do golfo
Grita firme: “já prá casa Sr. Astolfo”
(eu não sou louco e vou feliz)

Semana inteira na rotina
Dando duro no batente
Eu não sou feito de platina
Sabadão tem novamente!

domingo, 2 de maio de 2010

Boas vindas aos navegantes

Criar um blog! Pois bem.
Tarefa das mais inglórias dar a cara para bater assim na internet.
Ensaiei, ensaiei, ensaiei e saieu.
Agora é perder a timidez aqui diante desse teclado e postar, postar, postar.
A idéia é colocar meus textos a vista. Poemas, contos e letras de música, na esperança de que novos e velhos parceiros componham as necessárias melodias e harmonias. Ou não. Quem sabe sim.
Um balcão de ofertas.
Realmente uma prateleira de palavras e de idéias.
Sejam benvindos aos reconditos de mim.